A roupa preferida do canadense Steve Mann, em casa ou em passeios, é um computador. Na verdade, ele veste oito microcomputadores, usa câmeras ocultas em óculos escuros, dia e noite, e está quase sempre conectado à Internet, por meio de ondas de rádio. Quando vai ao supermercado, comunica-se com sua mulher que, equipada com microsensores e câmaras especiais, vê o que ele vê e ajuda-o a fazer as compras. Se fosse um ilustre desconhecido, fatalmente seria taxado de louco. Mas trata-se do dr. Steve Mann, professor do Departamento de Engenharia Elétrica de Computação, da Universidade de Toronto, Canadá, e PhD, em 1977, pelo MIT - Instituto de Tecnologia de Massachussets, EUA, o que lhe confere o direito de ser chamado, no máximo, de excêntrico. Desde seus tempos de colegial, em 1970, ele vem trabalhando em suas invenções: o WearableComputer, ou Computador de Vestir, e em uma micro-câmera de vídeo em forma de monóculo, a WearCam.


Steve Mann nasceu em junho de 1962, em Ontário, no Canadá, onde vive com a mulher e dois filhos. Via e-mail, concedeu essa entrevista ao jornalista João Magalhães.


Como o sr. define, na prática, o WearComp?
O WearComp (computador de vestir) é um microcomputador que faz parte de você, que é controlado por você e está sempre disponível para você. Ele vai bem mais além do que um laptop (computador de colo) ou um handheld (computador de mão) porque você pode usá-lo enquanto está andando, fazendo compras ou até mesmo jogando uma partida de tênis. Não é preciso ligá-lo ou desligá-lo: circuitos especiais permitem que a corrente elétrica flua constantemente dele para o seu corpo e vice-versa. Pode-se dizer que ele é o walkman da computação.

O que o levou a construir o WearComp?
Sempre criei inventos com os olhos voltados para o futuro. Herdei essa tendência de meu pai - ele me ensinou muito sobre eletrônica e eletricidade. Passei parte da minha infância e adolescência num porão, consertando televisores e foi aí que me apaixonei por transistores e circuitos eletrônicos. Mas o que me levou a construir e aprimorar o WaerComp foi o desejo que eu tinha de poder fazer as coisas a meu modo e de tornar mais fácil o meu dia a dia. O WearComp me proporciona isso. Muitas vezes, quando vou ao supermercado ou ao banco, me comunico com minha mulher, que também veste um computador idêntico ao meu. Por meio de uma conexão sem fios, ela vê o que eu estou vendo, de modo que posso lhe pedi que me ajude a escolher as mercadorias ou me lembre a senha do caixa eletrônico, se por acaso eu esquecê-la.

O sr. está na versão 7 de seu computador de vestir, que se resume a óculos escuros especiais, microcâmera, sensores e chips presos ao corpo. Como era a primeira versão e como se processou o aperfeiçoamento de sua invenção?
O protótipo, o WearComp0, foi construído nos anos 70. Tratava-se de uma engenhoca complexa, que compreendia antenas, câmeras, tela - uma carga que pesava o mesmo que eu e que assustava as pessoas na rua, principalmente à noite, quando eu buscava lugares escuros para testar a arte visual que eu produzia, utilizando-me de fontes de luz portáteis, alimentadas por baterias. Depois, veio o WearComp1, um pouco melhor e o de número 2, algo que se podia realmente considerar como vestível. Tinha teclado e joystick montados no painel de uma lanterna eletrônica, telas para exibição de textos e imagens, e uma conexão de dados sem fio (ondas de rádio) pela qual era possível me comunicar com outros computadores e com a Internet.. A versão 3, que construí em 1982, tinha circuitos flexíveis que podiam ser presos sob a roupa. Era mais confortável e menos escandalosa. Em 1991, apresentei minha invenção ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets, EUA), quando fazia PhD. O MIT comprou a idéia e a partir daí minha vida de inventor ficou mais fácil. Cheguei, então, à mais recente versão, o WearComp7, que é bastante leve: parece-se com óculos bifocais comuns, onde estão embutidos um microcomputador multimídia, microfones, câmeras e fone de ouvido. Outros componentes eletrônicos estão colocados numa pequena caixa dentro do bolso da camisa. Os dispositivos de saída como o teclado ficam num cinto: outros, como os microconectores, são costurados na roupa.

Há planos de comercializar sua invenção?
Como disse antes, as coisas melhoraram muito depois do MIT. Há esforços de algumas empresas em comercializar o WearComp. A pioneira é a Xybernau, de Vancouver (Canadá). O modelo que ela deve vender está sendo fabricado pela Sony.

O sr. usa o WearComp dia e noite?
Sempre. Só o tiro quando vou tomar banho. Pode parecer coisa de doido mas é que quanto mais você o usa maior o grau de sinergia: você realiza melhor suas tarefas e ele cumpre sua função digital com mais eficiência. Chamamos a essa sinergia de Inteligência Humanística, em oposição à Inteligência Artificial, que, como se sabe, é a tentativa de transformar o computador num ser pensante. Para mim, o WearComp funciona como uma segunda mente.

Que benefícios o WearComp traz para as pessoas?
Ele dá a liberdade de escolher o que você quer ver, ouvir e ler. Na rua, graças a uma microcâmera e filtros especiais, você pode, se for o caso, livrar-se da poluição visual provocada pelos outdoors e letreiros luminosos e concentrar-se em seus pensamentos ou em suas pesquisas na Internet. Ele pode também servir de guia quando você está num lugar desconhecido. Você pode enviar uma série de imagens de um determinado ponto de referência para uma página na Internet. Se você se perder, basta acessar a página e visualizar o caminho de volta. A grande vantagem é que amigos e parentes também podem acessar a mesma página e , via e-mail, ajudá-lo prontamente. É o que chamo de memória visual compartilhada.

Como os seus amigos, parentes e o público em geral encaram seu excêntrico guarda-roupa?
Andar com oito ou nove microcomputadores costurados à minha roupa, conectados à Internet, e usar óculos opacos ao redor da cabeça é de fato estranho. Mas as pessoas acabam se acostumando, até porque eu não poderia mais viver de forma diferente. Quando eu estava no primeiro ano da Universidade de McMaster, em Toronto, conheci uma moça que resolveu se engajar no meu projeto. Ela também se vestiu com um computador igual ao meu. Éramos vistos como alienígenas e todos se divertiam muito quando íamos ao banheiro. Já imaginou o malabrismo que fazíamos para não nos enroscarmos no cabo que nos ligava.

O WearComp é capaz de monitorar a vida das pessoas sem que elas percebam. Esta não é uma tecnologia perigosa, sob o ponto de vista de invasão da privacidade?
Não há dúvida de que essa tecnologia leva a discussões filosóficas. É possível que empresas se utilizem dela para, à maneira do Grande Irmão, de 1984, o célebre romance de George Orwell, monitorar a vida de seus funcionários. Mas a minha meta como inventor e engenheiro é a de incentivar a fabricação de computadores de vestir como uma forma de fortalecimento pessoal e não institucional. Os ciborgs do futuro poderão se ajudar uns aos outros. Suponhamos que em vez de apenas duas pessoas tenhamos uma comunidade usando o wearcomp e ligada à Internet. Eles podem receber um sinal de socorro, via e-mail, vindo de algum de seus membros. Em certas ocasiões, este sinal é disparado diretamente do computador. Vou dar um exemplo desta última possibilidade: eu, particularmente, tenho um monitor das batidas do coração acoplado ao computador e um medidor da velocidade de minhas passadas preso em meus sapatos. Se alguém se aproximar de mim numa rua, sacar uma arma e pedir dinheiro, certamente as batidas do meu coração aumentarão e eu ficarei paralisado. Esta alteração sensorial será transmitida pelo computador como um aviso de perigo e a comunidade pode imediatamente pedir socorro, além de filmar o assalto para posterior identificação do criminoso.

Nesta década de 90 o Prof. Steve Mann apresenta o conceito de "sempre consigo e permanentemente ligado".

FONTE: http://diariodigitaldoterrier.blogs.sapo.pt/2005/11/

MAIS SOBRE STEVE MANN: http://wearcomp.org/mann.htm